09/04/10

A odisseia dos pequeninos


Quando eu era pequenina,

fingia que entendia os livros da minha mãe, aqueles ilustrados, que falavam sobre gravidez e outros tantos que tirava à socapa das estantes, todos com belas posições a puxar para o sexual. Eu olhava para aquilo como quem olha para um elefante a voar. Não percebia. Fingia que entendia mas tinha a certeza que aquilo não existia. Eram as brincadeiras dos adultos. Um faz-de-conta vá lá!

Aos cinco anos o que é que se pensa? Que os adultos são estranhos. Fazem brincadeiras estranhas. Eles também falavam sobre coisas estranhas.

Falavam sobre dinheiro, problemas deles e dos outros, falavam sobre viagens, falavam sobre os vizinhos e com os vizinhos. Eu que fingia perceber só para poder ser levada mais a sério, na verdade, não percebia. Não falavam de bonecas, nem de brincar às casinhas, nem engendravam planos para se enfardarem de doces. Eram estranhos.

Ainda por cima, às vezes falavam de mim. Como se eu fosse tema interessante o suficiente. A verdade é que era e se era! Era a menina que hoje fez uma birra, era que ontem não comeu a sopa toda, era que estava com prisão de ventre...enfim. Eles é que a sabiam toda. Quando queriam que eu deixasse de ouvir as suas conversas, porque elas iam começar a ficar mais picantes (entenda-se que o tema era sexo), começavam a falar de mim e esta era a única forma de me verem "desamparar a loja". Pensavam que eu ia embora mas ficava atrás das portas a escutar. É feio eu sei e já na altura sabia mas fazia na mesma. Porquê? Porque eu já sabia que se eles me mandavam embora, ainda que indirectamente, era porque iam contar coisas que eu não podia ouvir, logo, para mim, eram coisas vitais à minha sobrevivência. E foi assim que percebi, aos poucos, as imagens que via naqueles livros proíbidos. Só me lembro de pensar: "Que nojo! Não quero ser grande, Eles são estranhos."

A verdade é que do topo das minhas certezas eu sabia que um dia eu iria crescer. Ia ficar estranha, igual a todos os grandes que me rodeavam e que estranhamente gostavam de apertar as minhas bochechas até as deixarem vermelhas e doridas. As tias principalmente. Eu ripostava com um belo de um beliscão nas pernas dessas senhoras e a minha mãe terminava com uma bela repreensão, seguida de uma palmada no rabo.

Hoje cresci, sou adulta embora, às vezes, não pareça. Faço as coisas que os adultos faziam e já não acho nojento. Dou por mim a pensar que os pequeninos de hoje (grandalhões de amanhã, futuro, quiçá) me devem achar estranha, como eu um dia também achei.

Hoje que sou como aqueles seres estranhos e crescidos, adultos dizem, ainda me "apertam as bochechas", sem as apertarem verdadeiramente. E ainda dou beliscões, sem beliscar de verdade. A minha mãe ainda me repreende já sem as palmadas. Aprendi que os adultos quando querem magoar outros adultos, ou simplesmente os irritar, não apertam bochechas, nem dão beliscões com as mãos fazem-no com as palavras porque elas são mais eficazes.

Sabem o que eu acho: Que talvez os pequeninos até tenham razão. Talvez nós somos mesmo estranhos.

8 comentários:

  1. Eu cada vez mais acredito que os adultos é que são estranhos... Portanto com 27 anos ainda me considero uma criança ;)

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  2. Engraçado mas a minha mae tb tinha um livro sobre a gravidez, mas tinha imagens de mulheres a dar á luz bastante explicitas e eu lembro-me de olhar para aquilo e pensar que era impossivel e que os adultos eram realmente estranhos!!

    LoooooL

    È tao bom ser criança, saudades que tenho desses tempos!!

    Bjito*

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  3. :) Pois também acho que os estranhos somos nós...
    Adorei o post :) lol

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  4. Pois é... Os pequeninos é que sabem! E o mundo era tão mais perfeito. :)

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  5. És capaz de ter razão.
    :} :)
    a) flordocardo

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  6. Gostei deste post :)

    Também achava qua os adultos eram estranhos e, no mínimo, muito complicados para a minha cabeça. Lembro-me que me perguntava porque eles não podiam simplesmente brincar comigo e esquecer aqueles "problemas". Enfim,

    e o estranho sou eeeuuu?

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  7. Quando somos pequeninos as coisas são bem diferentes, mais inocentes!! kiss

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  8. eu era muito curiosa e aqui em casa sempre me explicaram as coisas todas....

    o que me chateava em miúda, era o facto de não me integrarem nas suas conversas, quando tentava participar logo me diziam que não era conversa de criança.... aí como isso me irritava, não dizia nada, mas ficava chateada durante horas com essa pessoa!

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